Papagaio dorme em pé? Não sei e nem quero descobrir. Se quisesse teria de descobrir todas as coisas do mundo.
Papagaio de familia, recebeu a identificação de Paco, como um gato de Bola de Neve e um cachorro de Rex.
Viveu 20 anos em uma gaiola duas vezes maior que seu tamanho. Na verdade três vezes! Que luxo! Poderia mexer seu pescoço, mas voar, nem sonhar. Será que Paco queria voar? Se sabia, tenho a certeza de que não, talvez quando foi pequeno, deu um ou dois voos, para mostrar a sua mãe, seus irmãos, ou mostrar a natureza, sua essência e seu futuro. Mas foi resgatado, ou capturado? Não sei e nem quero descobrir. Se quisesse teria de descobrir todas as coisas do mundo.
Ao fazer 20 e poucos anos, foi mudado de sua gaiola para um gaiola maior, chama de viveiro, mas de vivo não tem nada. Viver agora em uma gaiola 30 vezes o seu tamanho, da para voar? Nem planar. Será que paco sabia voar? Com certeza não.
Entre o Paco e sua familia, de humanos, quem é mais livre, que é mais preso? Acho que a familia. Pois Paco caira morto um dia, e finalmente voará, pois de tanto que não pode se deitar sob as nuvens nessa vida, na outra será lhe dado algo, será lhe dado uma gaiola do tamanho da Terra, 300 mil vezes maior que ele. Mas, se nessa gaiola enorme, não voarmos, de que adianta? Uma familia que prende porque ama, não voa. Será que essa familia queria voar? Com certeza, mas será que ela sabe que quer voar? Com certeza não. Por isso, estão mais presos que o pobre Paco.
Se Paco fosse solto na selva, quando jovem, aos 10 anos, poderia voar, se daria bem? E agora, aos 40? Quatro decadas comendo e cagando, sem se mexer. Mas no viveiro, ia de um pau para o outro, e nada de voo, nem de planagem, e me pergunto se Paco pode abrir suas asas. Nunca vi, como se um boneco de plástico sem movimento. Seus pés, por outro lado, mais ageis que o de uma formiga, claro, olha seu tamanho. Algumas formigas tambem são presas por familias, mas menos, e menos complexas que um papagaio majestoso, sentem menos. Os pés de Paco sambam tanto, pois são a única parte de seu corpo que tem liberdade. Assim como na Terra esférica sambamos em um espaço limitado, indo e vindo, as vezes nunca saindo de um raio limiti, os pés do milagroso corpo de papagaio não param, comunicando um código secreto:
“Isso é a selva? Parece tão estranho.. Quando nasci me disseram que iam ter macacos, cobras, árvores gigantescas, uma riqueza de flores e animais, que não vejo aqui. Só vi os macacos, mas não parecem como descreveram, são estranhos e parecem mais presos do que eu. Aonde é a selva? Me digam por favor, me levem pra lá, pode ser na gaiola mesmo, quero ver meus irmãos e minha mãe, a natureza, mas vocês não gostam dela né? Mesmo que eu morresse em uma semana, ou um dia, por não saber voar, ou por estar nos braços do destino, seria feliz, sambaria na selva. As minhocas comeriam meu corpo, eu seria engolido por que me trouxe ao mundo, e não que me capturou. Que fim triste eu teria, se depois de 50 anos sozinho, tão sozinho e inaudível, sem poder sequer ver minhas asas abertas, eu morresse, e fosse jogado no lixo.”
E Paco continuava com seu pensamento-telepatia-código-dos-pés:
“Essa familia, me resgatou, de alguma coisa, e me permitiu a vida, para que eu pudesse ver tudo isso, mesmo que angustiado, foi bom. Obrigado familia, espero que vocês façam melhor, consigo, e com os outros. Quanto ao que fizeram, tudo bem, mas será que teve amor a Deus? Disso eu não sei. Queria descobrir, assim como todas as outras coisas do mundo.”